Hoje à tarde, o presidente da Aspol Flávio Moreira foi questionado por diversos policiais civis e até militares sobre matéria publicada no “Blog do Dércio” onde o mesmo denigre a profissão dos policiais, chamando-os de covardes e chegando a “aconselhar” que fossem “vender algodão doce”.
A postagem, que segundo Flávio Moreira “não pode sequer ser classificada de matéria, pois reflete uma opinião pessoal, infeliz e queremos crer, passageiramente equivocada”. Ainda segundo o presidente da Aspol: “Vamos dar um pouco de fama e notoriedade a este senhor. Quem sabe assim ele nos agradece nos respeitando.” Confira abaixo o texto junto com a resposta divulgada e enviada por email para o próprio blogueiro:
EMAIL ENVIADO AO SENHOR DÉRCIO ALCANTARA:
Prezado Senhor Dércio,
permita-me a honra de dirigir-me ao senhor, a fim de tecer humildes comentários sobre sua postagem no endereço eletrônico http://www.paraiba1.com.br/blogdodercio/post?id=2932.
A referida postagem, a qual permita-me não classificá-la como artigo, reportagem ou documento jornalístico e sobre a qual espero que após estas breves palavras, possam esclarecer os fatos e ter de Vossa Senhoria uma mudança de ponto de vista, passando a respeitar os profissionais policiais. Farei uma breve contestação, parágrafo por parágrafo, para ao final transmitir-lhe algumas considerações. Sublinhado e entre aspas, seu texto. Abaixo, nossa resposta.
“Nos últimos dias ouvi lamúrias de policiais via ondas do rádio e confesso que fiquei bastante preocupado. Tive a nítida impressão que a classe protestava contra a violência e se sentia ameaçada pela bandidagem efervescente.”
Realmente os policiais que usaram as ondas do rádio ( e com orgulho fui e serei sempre um destes protestantes) protestavam contra a violência, mas não por sentirem-se ameaçados com uma “onda” A ameaça constante é premissa da atividade policial e todos os que exercem tal mister sabem disso desde a escolha. O nosso protesto é pela midiática fantasia que o atual governo propaga pela força de seu poder econômico, via ondas de rádio, Tv e o que mais podem e isso a nenhum governo de plantão ou serviçal deste será permitido censurar-nos (coisa que esperamos que não aconteça em nosso Estado!?).
“Veja bem: policiais ou familiares protestando contra a violência é uma temeridade, pois foram admitidos no serviço público para reprimir a violência, zelar pela tranqüilidade, garantir paz a sociedade que os remunera.”
Acredito que o senhor é quem precisa “ver bem”. Veja bem: policiais são seres humanos, têm famílias que na maioria das vezes sofrem com suas ausências temporárias e quando passam a ser permanentes, como no caso do Soldado Carneiro, aí é que caracteriza-se a temeridade. O Estado (que somos todos nós contribuintes) remunera os “admitidos no serviço público” para realizar as tarefas citadas pelo senhor, porém nem os remunera condignamente (salários miseráveis) e nem nos paga para morrermos. A vida é o bem jurídico mais precioso do ser humano, seguida da liberdade. Sobre a vida, teceremos comentários adiante.
“Um policial morreu no confronto com bandidos graúdos e a PM se insurgiu em um motim, parando viaturas e deixando quem os paga a mercê dos bandidos.”
Ao que nos consta, a mobilização dos Policiais Militares não foi por conta da morte de um policial (que talvez para o senhor seja apenas um qualquer, mas para sua família e para as nossas corporações significa muito) e sim em busca de tratamento digno pelos nossos governantes, não seria menos digno, engrandecedor e justo que o fosse pela morte de um companheiro perdido pela falta de condições de trabalho, de equipamento, de treinamento, enfim, pela falta de um tratamento decente e real com a segurança pública. Por isso, permita-me externar a nossa irrestrita solidariedade aos companheiros policiais militares, pois civis, federais, rodoviários, ferroviários ou militares, somos todos policiais e estamos no mesmo barco: combatendo o crime pela coragem que o senhor afirmou nos faltar e pelo amor à profissão.
“Polícia é atividade de risco e quem ingressa na corporação sabe que pode morrer ou matar em ação. Então porque a surpresa?”
Não é surpresa caro senhor. É indignação, é revolta em saber que o episódio poderia ser evitado se houvesse um por cento do investimento em segurança que o Governo do Estado propaga em sua mídia governamental. É tristeza em perder um igual, um ser humano, que se para o senhor nada significa, vale muito para nós.
“Queriam por acaso ficar de shortinho passeando de bike pela orla olhando as menininhas de biquíni? Então escolhessem outra profissão.
Que coisa ridícula assistir policiais ativos e inativos apavorados pela violência galopante, quando deviam reprimir, enfrentar, erradicar.”
Sobre o 5º parágrafo escrito por Vossa Senhoria, quero usar as suas palavras no início do 6º: que coisa rídicula, mas somente estas primeiras três. Rídiculo é ter que encontrar pessoas que têm o hábito de tripudiar sobre profissões alheias, minimizando os seus riscos e mandando-os que “escolham outra profissão”. E se optássemos por outra profissão, quem faria o nosso papel? O senhor? Não estamos apavorados não, quem o está é a sociedade como um todo. Da qual somos parte integrante (mais uma vez, relembro-o que somos de carne e osso, seres humanos!). E estamos reprimindo de revólver 38 bandidos com fuzis AR15. Basta ler as notícias policiais e verificar a quantidade de prisões efetuadas por ambas as corporações.
“Um policial no Rio de Janeiro corre mais riscos do que um policial no interior da Paraíba. Como podem querer equiparar salário em todo território?”
Quanto vale a sua vida ou a de um cidadão do interior da Paraíba (ressalto que o povo do interior da Paraíba merece o mesmo tratamento do povo do Rio de Janeiro, ok? ). Pela sua lógica, menos que a de um cidadão do Rio ou do Distrito Federal! Queremos sim equiparar os salários por um motivo muito simples: quando nós temos policiais bem remunerados, a eficiência aumenta e os bandidos daqueles locais correm para os lugares como a nossa Paraíba e assim tornamo-nos o alvo daqueles mesmos que agiam no Rio, São Paulo ou em Pernambuco. Até porque o crime sabe onde ainda existe o sistema feudal de governo (onde governantes entendem polícia como capatazes de suas fazendas e passam 10 anos sem dar aumento).
“Polícia é pra trocar tiros com bandidos. Levar a melhor ou a pior é apenas um detalhe da estatística. Não cabe agora amarelar diante da bandidagem. Queremos resultados.”
Mais um lamentável equívoco seu. Polícia não é pra trocar tiro, polícia é para evitar que bandidos atirem, porque uma “bala” perdida pode tirar a vida de um inocente, como a de uma criança esta semana em Mandacaru. Sabe porquê o bandido puxa o gatilho com tanta facilidade? Para ele a vida não tem valor. Para nós policiais sim, não é apenas “um detalhe da estatística”. Se quer resultados, dê as condições para que os produzamos. E isso é sim responsabilidade sua, pois vota, faz campanha e escolhe os governantes, como todos nós. E antes que esqueça, pela sua lógica, como trocar tiros com bandidos com revólver 38 com 6 munições enquanto os bandidos têm pistolas com no mínimo 15 tiros? É bom saber que o senhor tem coragem, como nós temos, para tamanha insanidade.
“Outra coisa: viatura não é taxi para ficar fazendo tur por aí. A volante precisa se dirigir para onde estão os bandidos e não para o lado contrário com medo do fogo cruzado.”
Falta efetivo, viatura, colete, armamento e boa vontade dos governantes. Mesmo assim, a prova que não corremos para o lado contrário é a perda do companheiro soldado. Onde é que tem viatura fazendo tour? Diga-nos que iremos usá-la para o seu fim. Tem sim, é carro oficial servindo a “ASPONES” e privilegiando poucos em detrimento de muitos.
“Estão certos quando lutam por salários e melhores condições de trabalho; estão errados quando se misturam com marginais ou tremem na base como medo de morrer.”
Até a palavra “marginais”, achava que iria, enfim, encontrar uma consonância entre nossas opiniões num parágrafo inteiro. Quanto ao “tremem na base com medo de morrer”, pergunto-o a quem chama quando se depara com os marginais. Que bom se todos os cidadãos fossem como o senhor: “sem medo de morrer”, pois aí não precisaria de polícia. E nós não precisaríamos perder companheiros de trabalho. E nossas famílias não precisariam chorar!
“Quem não agüentar que vá vender algodão doce em porta de creche. Mas sempre há o risco de um garotinho chutar-lhe a canela.”
Como o senhor se sentiria se o dissesse agora (longe de mim contrariá-lo: não o estou dizendo!): “Se não aguentar o fato de escrever apenas um blog (tenho um também, mas como não sirvo a um senhor poderoso e sim a uma causa…), apresente um programa de TV, seja redator chefe de um jornal. Mas haverá sempre o risco de ser demitido por um mais competente ou menos bajulador.”
“Daqui pra frente é seqüestro, assalto a banco e marginais com Ar15. Daqui pra frente é pra valer. PCC, Comando Vermelho e outras falanges jogam pesado, são profissionais do crime e já estão por aqui.”
Graças a Deus! Um momento de lucidez e o senhor…viva! Assume que os salários devem ser equiparados porque estamos enfrentando o mesmo crime organizado. Obrigado, quase achei que não íamos concordar em nada!
“Acabou-se o tempo em que ser policial era virar “autoridade” do dia pra noite e perguntar de forma arrogante ao cidadão humilde: sabe com quem está falando?”
Realmente, caro senhor Dércio, acabou-se o tempo de que o político colocava pela porta da cozinha o seu apadrinhado para ser político. Sonho com o tempo em que o bom jornalismo seja valorizado e escritos, falas, sites, blogs ou vídeos, parem de dizer à população humilde, de forma arrogante ou com enojante disfarçatez: eu quero polícia só para o rico e vocês pobres que se virem, porque suas vidas são tão importantes para mim do que a dos policiais “mera estatística”.
“E quem não aguentar que corra! João Pessoa ganhou contornos de metrópole e, como tudo na vida, infelizmente, tem o lado bom e o lado ruim.”
Se o senhor não agüentar ouvir a voz dos policiais nas rádios: corra! Mas correr para onde? Para ilha da fantasia da publicidade institucional ou para as micro-ilhas instaladas pelos seus mais fiéis lacaios? Ou seria para aquele interior da Paraíba, ao qual o senhor se refere dizendo que o policial de lá tem de ganhar menos, porque lá não importa a segurança do povo, que corre “menos risco”?
“Apesar dos medíocres, a Paraíba confia na valentia e operosidade da briosa PM e na capacidade tática da Polícia Civil, que até cursos ministra para o Bope carioca..”
Que bom que a Paraíba confia, mas infelizmente o senhor não! Mostra isso em todo o seu texto e tripudia sobre a morte de um ser humano e sobre a vida de outras mais.
Não o conheço, não conheço sua origem e permita-me esclarecer-lhe um pouco de minha escolha em ser policial. Sou pessoense, tenho 29 anos e Deus me deu o privilégio de nascer em uma família com alguma condição financeira, que me permitiu uma educação em alguns dos melhores colégios de nossa cidade. Passei pela UFPB (Curso de Ciências Econômicas) e atualmente sou acadêmico de Direito (Faculdade Mauricio de Nassau). Nunca passei dificuldades grandes, graças a Deus, mas por isso mesmo sempre me compadeci dos menos favorecidos (tenho convicção de que esta é a forma de agradecer pelos privilégios). Por onde passei, tive a oportunidade de militar nos movimentos estudantis e sociais, sempre em defesa da coletividade.
Ingressei na Policia Civil em 2004, contra a vontade de minha família (não por não acharem a profissão digna, mas pelos riscos que ela oferece) e passei por diversas regiões do Estado, perseguido por não concordar com os governantes de plantão. Não me abati. Tornei-me presidente da Associação dos Policiais Civis da Paraíba em 2006 e desde então, mesmo tendo tido oportunidades de tomar outros rumos, dedico-me à fazer por merecer a confiança dos que depositam-na em nosso trabalho.
Me dói muito ler ou ouvir palavras como as que o senhor desenhou em seu texto, porque são de opiniões assim que tenho certeza não precisarmos em nosso já tão cruel mundo. Claro que as respeitamos, mas nos permitimos o sagrado direito de contestar. Me incomoda o fato de estarmos sempre arriscando nossas vidas e sabermos que, para pessoas como o senhor, não passamos de mera estatística, porque para nossas famílias não o somos.
Ontem mesmo, usei as ondas do rádio para defender a nossa causa do piso salarial nacional e para cobrar dos nossos políticos assistência para companheiros da Polícia Militar que estavam por conta própria em Brasília em busca de um sonho: ganhar bem. Mais uma vez a vida me privilegia (pois temos recursos próprios da associação para lutarmos), porém sempre olharei ao meu lado. Não acredito em futuro com distinção. Não acredito em melhoras sem sacríficios. Não acredito em mudanças sem ideais. Não acredito em subserviência.
Não admito (e me permita tal “insolência”) que o senhor nos trate desta maneira, porque nós policiais também temos direitos e não somente as obrigações que citou. Espero sinceramente que essas humildes palavras possam lhe servir para uma reflexão apurada do que disse e, caso assim entenda, possa retificar o seu pensamento.
Caso contrário, caro senhor Dércio, só nos resta desejar que pessoas com este ponto de vista nunca sejam maioria em nosso mundo e que os que ora ocupam o poder (e a quem alguns buscam agradar), possam ser apeados de suas posições privilegiadas, possibilitando assim a decadência dos bajuladores de plantão.
Mesmo assim, tenha a certeza de que quando precisar de um policial, seja civil, militar ou federal, ele o servirá. Ate com a própria vida defenderá a sua e a dos seus. Mesmo sabendo que o senhor nos considera mera estatística, estaremos sempre dispostos a servir a sociedade da qual somos todos parte. Só não deixaremos de lutar por dignidade e não permitiremos que nos ofendam sem resposta, pois nem sempre o poder pode tudo em nome da defesa da bajulação. Fique com Deus e que Ele o permita nunca necessitar da “mera estatística” e mesmo assim repito: estaremos aqui para servi-lo.
Flávio Moreira, policial (indignado) com orgulho! Humano e servidor da sociedade. (E para o senhor,mera estatística!)
Presidente da Associação dos Policiais Civis de Carreira da Paraíba – ASPOL
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